terça-feira, 30 de novembro de 2010

NO SOFÁ COM PAGÚ...


Fui procurar no meu portfólio alguma foto que pudesse expor e doar para uma exposição que o André Serafim está organizando para a inauguração da Santa Casa.
Entre tantas, a foto do mangue rompendo o cimento me remete à poesia de Drumonnd de Andrade, quando um flor amarela e medrosa havia rompido o asfalto, na avenida mais movimentada do país... Sinto um impacto quando vejo a foto feita, no bairro da Costeira, perto dos pátios dos carros; o cimento havia atingido numa camada paralisante toda vida até a beira do Rio Itiberê... Mas... Era uma vez a vida. Forte e decidida a existir, retomando o seu lugar a partir da pequena brecha...
... Gosto de percorrer Paranaguá. Passear. Apreciar o movimento da cidade. Explorar novos bairros e ruas. Experimentar novas sensações. Detesto a mesmice do cotidiano das ruas, ou melhor, amo a novidade no cenário da rotina. Busco topar com personagens ao vivo e a cores. Conhecer pessoas. Descobrir Gente. Persigo os vestígios da história e encontro, às vezes, o fio da nova estória. No meu caso ser fotógrafa, além de jornalista, também tem um cadinho de sociólogo, antropólogo, arqueólogo e, essencialmente, artista do meu tempo. (Embora não faça obras, conscientemente sei que tenho as condições da minha geração para registrar ou expressar, de alguma forma, a vida sendo vivida por uma simples mulher que não é tão simples assim). Como qualquer um de vocês, não é? Tenho o olhar que nasceu comigo e o aprendi a reconhecer deste os meus primórdios.
A minha primeira lembrança recorrente são imagens, olhares, cinema ... Estou sentada na cadeirinha da bicicleta do meu pai estacionada na calçada, da casa do meu avó. Meu pai e eu estávamos lindos. Ele bem moço, como aparece no álbum. A sua voz transmitia alegria e espírito festivo Eu, vestia um casaco de capuz, rosa, do meu batizado...Minha mãe e minha avó estavam na janela. A minha avó veio abrir o portão e minha mãe ficou emoldurada na janela azul de madeira, adornada pela laranjeira em flor. Naquele momento, de repente, dou de cara com o olhar de uma vaca, embora tenha ficado bastante assustada, o doce olhar daquela cabrita gigante - que não morava no quintal da casa – me deu paz. Amo o olhar das vacas e de gente que tem olhar de vaca. A Jozaine Baka, em certos e pontuais momentos intimistas olha assim. Desarmada e serena. Ela sabe ter o olhar da águia e o da vaca. Durante a campanha queria pedir-lhe que me olhasse com olhos de vaca, mas, como enunciar uma proposta assim?
O olhar sempre foi o meu guia. E foi na fotografia, enfim, que me encontrei como artista. Não uso técnica, uso apenas o olhar. É de propósito. Amo a surpresa. Dou o meu clique como quem joga a rede numa pescaria. Nem sempre vem aquilo que vi. Foi o momento, foi o movimento, foi o instante revelando alguma situação. (Óbvio, né?). A vida como ela é. Isto me fascina e encanta.
Quanto à técnica, fui, e vou, aprendendo conforme a necessidade. Como diria mamãe Fridinha, “não se preocupe, quando a água bater no popoche você aprende a nadar”. Ou, não. Assim, com a graça de Deus, vou vivendo como artista, olhando como artista, sentindo como artista, sobrevivendo como artista e, incompreendida pelos atuais rebeldes rebentos, como artista.
A cabeça fervilha em conexões. O milagre do meu ofício começa a dar sinais. Releio o quê escrevi até aqui e me pego deitada no sofá, conversando com a centenária personagem Pagú, Patrícia Galvão, a Musa dos Modernistas e a Disseminadora Poética da Soja no Brasil. Ela estava ouvindo os meus desabafos de artista periférica.
(Acabei de ganhar o título da crônica que hoje iniciou pelo olhar da fotografia. Percebo que o texto está me levando para, enfim falar de Pagú que me persegue há um mês.) Quando devo fechar, também, mais um quebra-cabeças da minha existência...Amei o curriculo que o Beto Perna mandou para o impresso da mesma exposição.Pontualíssimo. Mais contemporâneo impossível. Vocês terão oportunidade para saber daquilo que falo. Artista é um jeito de olhar e viver o mundo, um estado de espírito...
Os artistas periféricos existem aos bandos, às legiões, acompanhando as gerações por gerações, sem necessariamente terem sucesso exatamente naquilo ou, como imaginaram. Sou como Pagú. Como ela, sempre senti que estava no lugar certo, no momento certo. As minhas escolhas é que foram me conduzindo para aquilo a que, acredito, estou destinada, tanto pelas circunstâncias como pelas atitudes. Estou conformada em algum aspecto porque as escolhas foram conscientes. Como diz a letra do rock: Talvez devesse ter ousado mais... Talvez! Nunca saberei, então que esta preocupação inútil fique no seu canto.
Noutros aspectos estou em ebulição.
Assim como a poesia desaguou nesta fonte de águas terapêuticas, estou podendo compreender mais um pedaço da lenda que estou tecendo. É. Na reconstrução da vida a gente têm a verdadeira chance de pegar o lema e escolher o rumo para onde quer navegar. Sei que estou nua, portanto em pleno fazer artístico.
Estou tricotando. Colocando palavras em sentimentos e, só eu sei o caminho que percorri para fazer isto e conseguir montar algo utilitário mesclando o fio da alma e o fio da vida. Estou fazendo literatura e não posso parar. Não posso ter espaço ou tempo para terminar. Aqui vou encerrando a minha crônica, que está enorme e nem consegui dizer tudo aquilo que gostaria. Vou continuar esta conversa de comadre no meu blogue porque afinal quero falar da descoberta que fiz à respeito daquela mulher à frente do seu tempo, a transgressora Pagú, que inspirou muitas mulheres da minha geração.
PAGÚ A MUSA MODERNISTA E DISSEMINADORA POÉTICA DA SOJA NO BRASIL
Cerca de um mês estava no hospital com o meu filho, Pedro. A leitura das banalidades contemporâneas foi a grande companheira no meu tédio. No meio daquela leitura encontrei a notícias sobre o centenário da modernista Patrícia Galvão, a Pagú. Sua vida, sua história mais uma vez invadiu a mídia e a minha vida. Ela tinha sido “descoberta” por todas as antenadinhas dos anos 70, como uma mulher a frente do seu tempo.
A Patrícia acabou se tornando um ícone do modernismo, sem ter sido uma relevante artista. Foi jornalista, engajada política, comunista, transgressora temporal e desafiante moral. Mas, sempre acaba lembrada quando se fala de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral , os ícones do movimento artístico cultural da Semana de 22 e ela acaba fazendo parte do contexto. Como chegou lá é uma outra história.
Pois bem, a revista Criativa de junho de 2010 trouxe uma reportagem de Pagú e conta da sua viagem à Manchúria, como jornalista, para acompanhar a coroação de Pu Yi, o último imperador, de quem recebeu 19 vasinhos de soja. Raul Bopp, cônsul no Japão, encaminhou as mudas ao ministério da Agricultura, que inicia o cultivo do grão no Brasil.
Quer dizer que todos aqueles milhões, bilhões de toneladas que passam pelo porto de Paranaguá são frutos das 19 mudinhas que a Pagú ganhou do último imperador da Manchúria?
Nunca mais vou olhar as cifras de recordes de exportação, de uma montanha ou um navio abarrotado de soja do mesmo jeito.
A Pagú me mostrou uma chave.
A vida faz surpresas pleonasticamente surpreendentes. Houve, ao longo do escrever uma conexão maior que me fez descobrir que assim como a Pagú é a responsável poética da soja brasileira, sou, ao longo destes oito anos a semeadora de um novo olhar sobre a nossa gente, nossas paisagens, nosso cotidiano... Sem pudores ou falsa modéstia sei que contribui para a nossa comunidade se descobrir. Ao longo de quase vinte anos de foto-jornalismo empreguei o lema que se não pudesse mudar o mundo, mudaria o jeito de olhar Paranaguá... Como artista, alguns depoimentos dizem, que o trabalho está feito. E isto fará parte da minha lenda pessoal.
Estou em paz. Porque a paúra do artista é ver chegar a sua vez e não ter feito a sua parte. Estou pré-idosa, imaginem? Então, naturalmente a gente vai fazendo um balance, balance , tirando os nove foras... para ver a quantas fica principalmente quando abusamos, ainda, das delícias que a irresponsabilidade propicia.Porque na minha cabeça estou apenas começando. Uma outra história ...